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dançar a palavra-poema:

voz e corpo*

esta série de vídeo-dança-poemas nasceu de uma pergunta, cercada por muitos dizeres/ conceitos, qual seja: seria possível dançar a palavra, o poema?

alguns dos dizeres: voz é corpo. o corpo erógeno-pulsante se constitui em torno de furos. poema é corpo. a função poética carrega consigo a possibilidade de um efeito de abertura de sentidos. o evento voz é contingente. é possível forçar o ressoar de outra coisa que significados fixos ou fixados. voz é gesto vocal. há enigma do corpo, mistérios do corpo. corpo é poesia móvel. o ícone (imagético) pode constelar. dança é constelação. o corpo-invólucro, sua pele-imagem, trans-bordam. o poema constela. os corpos carregam marcas de histórias que não foram ditas ou escritas. a dança condensa. o corpo porta dizeres, excessos e faltas. a dança extrapola. corpo é acontecimento. a dança transmite além do muro da palavra cristalizada. o corpo é política. a poesia permite travessias ... entre-outres.

derivam-se destas tantas outras questões para um projeto que é, em si, uma pesquisa:

- o som da palavra, seus sentidos:

como dar corpo à palavra poética? colocar voz, desdobrar o som.

a polifonia ou a significância, em seu efeito de abertura, pode ser transmitida pelo gesto?

a poesia que perfura, que faz eco corporal, pode traduzir-se pelos poros, pela pele, pelos ossos, pelos ocos do corpo?

- o poema, suas ressonâncias e o corpo

como cavar o oco, escavar o furo, deixar os sons dosdentros ressoarem?

como as vísceras poetizam?

quais sons dos corpos podem ser consonantes com o desdobrar de uma palavra poética? e as dissonâncias?

- o corpo (r)existência:

como voz, poesia e corpo, como cada qual se pode fazer corda para uma mesma trança?

como uma suposta trança pode denunciar os desmandos de um momento político? de um sistema? como fazer corpo-resistência? como fazer da indignação, poesia que grita?

- corpo-ícone-constelação:

como trazer a imagem de modo a abrir condições de possibilidade para que constelações se ordenem, enquanto explosões de sentido, sempre provisórias?

podem as imagens apontar para outrem? para outra coisa? para um além-de-si?

como a voz, enquanto voz-corpo, pode, a um só tempo, encorpar-se, alterizar-se e fazer laço social? 


* esse texto é parte de meu projeto de pós-doutorado em curso pelo Laboratório Filosofia do Tempo do Agora/UFRJ, sob supervisão da Profa. Carla Rodrigues.

vídeo-foto-poema


inspirações, impressões, referências:


"Como a base de toda arte é conflito (uma transformação imagística do princípio dialético). A tomada (plano) surge como célula de montagem. Por conseguinte, deve ser também considerada a partir do ponto de vista do conflito [...] Conflito dentro do plano é montagem potencial, que, no desenvolvimento de sua intensidade, esfacela a prisão quadrilátera da tomada e explode seu conflito em impulsos de montagens entre as peças da montagem. Como num ziguezague de mímica, a mise em scène jorra num ziguezague espacial com mesmo esfacelamento" (EISENSTEIN, 1929, p.177)

Einsenstein falava sobre a cinematografia, a montagem, enquanto colisão e conflito. Sua base: o ideograma e o haikai. Frisava, por tal via, uma anti-cadeia. Eisenstein, da mesma feita, evidencia a dívida que o cinema, tal qual concebido por ele, tem com a poesia, mais especificamente, com o princípio do haikai. Pois bem, vejamos o que o cineasta nos propõe.

Ele concebe a cinematografia como montagem. Diz que, no cinema, combinam-se "tomadas que pintam" (EISENSTEIN, 1929, p.168) e busca: "um laconismo máximo para a representação visual de conceitos abstratos [...] o laconismo nos fornece uma transição para outro ponto. O Japão possui a forma mais lacônica para a poesia: o haicai "(EISENSTEIN, 1929, p.168).

Segundo ele, o ideograma fornece as condições para a impressão lacônica. Propõe este mesmo enxugamento (redução) para a montagem cinematográfica, que se daria, igualmente, por colisão de uma combinação de símbolos.

"Não é esse o processo do ideograma, que combina uma "boca" isolada e o símbolo dissociado de "criança" para formar o significado de "grito"? [...] Não fazemos, nós do cinema, com o fluxo temporal, aquilo que Sharaku (criador de gravuras do século XVIII) fazia com a simultaneidade, ao provocarmos uma desproporção monstruosa entre as partes de um acontecimento que vai fluindo normalmente e que é de repente desmembrado ..." (EISENSTEIN, 1929, p.172).

Eisenstein articula o método ideográfico (montagem) também ao teatro Kabuki e à escrita de James Joyce (que teria, segundo ele, desenvolvido em literatura a linha pictural do hieróglifo japonês) (Ibid., p.174).

Ainda sobre o cinema, faz uma diferenciação da escola que concebe a montagem como "um pedaço argamassado a outro pedaço", como tijolos, em um encadeamento de pedaços, como cadeias: "tijolos postos em séries para expor uma ideia" e sua própria concepção de montagem como COLISÃO: "Concepção segundo a qual, da colisão de dois fatores determinantes, surge um conceito [...] de acordo com meu ponto de vista, o encadeameto é apenas um caso especial, possível" (Ibid., p.177)

Montagem é, portanto, conflito, colisão. E há uma ênfase posta no que não é cadeia, naquilo que desmembra.

Tarkovski (2010) em seu livro: Esculpir o tempo, refere-se ao fazer do cineasta como associações poéticas e cita os princípios propostos por Eisenstein:

A chave da poesia do cinema:

Todos nós conhecemos o gênero tradicional da poesia japonesa, o haicai. Eisenstein citou alguns exemplos:

A lua brilha fria;

Perto do velho mosteiro

Um lobo uiva.

Eisenstein via nesses tercetos o modelo de como a combinação de três elementos separados é capaz de criar algo que é diferente de cada um deles. Uma vez que esse princípio já estava no haicai, é evidente que não pertence exclusivamente ao cinema (TARKOVSKI, 2010, p.76)

Ainda sobre a cinematografia, Haroldo de Campos comenta que para Eisenstein, "juntam-se dois pictogramas para sugerir uma nova relação, não presente nos meros elementos isolados" (CAMPOS, 1977, p.41).

Campos propõe, então, que o pictograma, nos desdobramentos do signo, seja um ícone: "Desde logo o pictograma é decididamente um ícone: é uma pintura que, em virtude de suas próprias características, se relaciona, de algum modo, por similaridade, com o real, embora essa qualidade representativa possa não decorrer de imitação servil, mas de diferenciada configuração de relações" (CAMPOS, 1977, p.40).

A colisão poderia ser relativa ao ícone (que se dá por semelhança não servil ao objeto): uma anti-cadeia que surge desmembrando, rompendo as proporções quadriláteras. O que surge é desproporcional. Assim como o ideograma, a montagem concebida desse modo, pode fazer ressoar outra coisa que os sentidos convencionais.

Sim... e para não dizer que não falamos das flores:

"Se vocês são psicanalistas, vocês verão que é o forçamento por onde um psicanalista pode fazer ressoar outra coisa, outra coisa que o sentido (...) O sentido, isso tampona; mas com a ajuda daquilo que se chama escritura poética vocês podem ter a dimensão do que poderia ser a interpretação analítica (...) Não que toda poesia seja tal que a possamos imaginar pela escritura, pela escritura poética chinesa (...) " (LACAN, 1976-77, inédito, aula de 18 de abril de 1977)

Não seria, então, a colisão, um forçamento? Sobremaneira, um forçar o indiscernível (vazio)?


Referências:

Campos, H. (1977). Ideograma. Lógica, poética, linguagem. São Paulo: Cultrix.

Eisenstein, S. (1977). O princípio cinematográfico e o ideograma. In: Campos, H. Ideograma. Lógica, poética, linguagem. São Paulo: Cultrix.

Lacan, J. (1973-74). O seminário, livro 21: Les non-dupes errent. Inédito.

________. O seminário, livro 24: L'insu que sait de l'une-bévue s'aile à mourre. (1976-77). Inédito.

Tarkoviski, A. (2010). Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes

Helanca

O que é?

Um tecido esgarçado, folhas, letras, poemas, corpos dançantes, imagens e sons.

De onde vem?

Este projeto é uma continuidade, uma consequência, um acontecimento surgido a partir do encontro da Rede de Pesquisa de Lógica e Poética do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo e de seu projeto de extensão, denominado "Imersão".


O projeto teve como primeira proposta, escrita no final de 2018 e executada durante todo o ano de 2019, os seguintes dizeres:


"Esse projeto surge de muitas inquietações e anseios. Da impossibilidade de se dizer e da vontade de continuar dizendo. De necessidade de estar a todo instante sendo colocado no olho de um furacão sem nome que nos faz revirar e buscar outras respostas, e perguntas, e respostas... Trata-se de um projeto que visa - antes de qualquer coisa - provocar inquietações e rupturas com o pensamento cotidiano e proporcionar experiências com as quais possamos ex-barrar na arte e na psicanálise ao mesmo tempo.

As muitas e diversas formas de transmitir a psicanálise, bem como de dar voltas e voltas sobre o ensino de Freud e Lacan e suas proposições, podem levar-nos à posição de espectadores emancipados. A arte, assim como a psicanálise em sua política da falta, nos envolve para depois nos cuspir num vago de nós mesmos.

Nesse tempo em que a democracia está em risco e exercitá-la torna-se um chamamento, partiremos como eixo temático para as conversas deste ano O Estranho ou O Inquietante. No centenário deste texto freudiano, revisitá-lo pelo viés estético artístico é a aposta em outra forma de transmissão. A psicanálise tal qual o cinema, por exemplo, aposta no estrangeiro familiar que ressoa como um dizer Outro de nós mesmos. A estranheza - do cinema e da psicanálise - é um exercício democrático de escuta e fala de outros, a escuta da diferença na repetição e a possibilidade de dar voz a ela"


Seus desdobramentos:

Deste trabalho, pudemos colher indagações sobre a transmissão, sobre o corpo e sobre o texto. De maneira lúdica e gosmenta, chegamos a um ponto que fez torção: uma helanca de seis metros, alguns poemas, e corpos se encontrando para viver esse poema na elasticidade precária do tecido. 

(E aqui igualmente pudemos começar a pensar a helanca como um projeto também gráfico, com textos, letras, poesias, contos, causos, fotos, vídeos... ou o que podemos tentar (e falhar) em transmitir)


A que se propõe?

Essa dupla proposta, da imersão-helenca em ato-elástico-tecido-poético e da revista, pretende-se uma coleção de tecidos, textículos e tessituras e experiências e vivências poético-corporais.

A helanca em ato pretende recriar e multiplicar a experiência inicial, que envolveu um deixar causar o movimento e dançar a palavra poética em um tecido maleável e instável. A improvisação corpo-poética se deu entre vários. Encontros de corpos, encontros entre a palavra, o corpo do outro e o tecido. Desencontros. Reencontros. A helanca fora sustentada por ao menos dois, que se revezavam entre o segurar o tecido e o deslizar por ele.    

A revista, deve ser publicada de maneira bimestral e ocasionalmente quando der vontade. Por ser uma revista cansada, ela se desprende de qualquer rigor acadêmico ou colonial ou forma prévia de escrita. Não há bibliografia, nem citação, nem a página em que foi escrito, nem ao menos quem escreveu. Há aqui novos escreventes e suas letras.

Nota editorial:

pretendemos reunir textos, fotos e vídeos articulados com o tema proposto a cada edição, organizá-los e publicá-los de maneira online.

A editoração consiste na seguinte divisão da revista: (1) uma apresentação do tema proposto na presente edição; (2) uma primeira linha de textos de cunho teórico e abibliográfico, ou seja, textos que se propõe a pensar a/com a teoria e que sejam de punho livre. Esta seção vamos chamar de helanca; (3) uma segunda linha com contos, crônicas, poesias, causos, fotos e vídeos, também articulado com o tema e que daremos o nome de estica.


A Helanca - projeto de poesia e movimento e de escrita em psicanálise conta com Ana Gianesi, André Farias, Beatriz Franco, Conrado Ramos e Vinicius Lopes. Sem funções, cabimentos ou hierarquias.


Assim, nossa helanca estica puxa roda gira fala esmaga gosma suja cai rompe enlaça dobra guarda abre sacode levanta enrola para senta arrasta prende... e transmente.

trupe

é um coletivo formado por artistas, também psicanalistas (em sua maioria), que nasce de duas mães: por um lado, a pesquisa entre palavra poética, voz e corpo que o dançar a palavra-poema (vide projeto acima) abre e possibilita e, por outro, a experiência com a helanca (igualmente acima descrita), que se estendeu e ganhou nova/os integrantes. 

a trupe vem trançando um repertório. experimentado junte, poemando, vivenciando corpo-voz-palavra.

esgarçando, testando, rompendo, errando, tropeçando, caindo, rolando, espremendo, saltando.  

o gerúndio marca o processo, o tempo, o tempo lento do deixar chegar, bater à porta, atravessar a soleira e entrar. depois sair. depois entrar outre - em modo, em forma, em gesto, em cheiro, em gênero. depois ...

fazer-se flor, fazer-se peixe, fazer ser pedra, fazer ser água, fazer ser rio, fazer ser árvore.

é um projeto em )des(construção... aberto...


(fotografia de fundo: Rinalda Du-arte)